Contrariado com o aumento do IPI dos carros importados, o colunista do Ig e engenheiro de produção Ricardo Gallo deixou sua opinião sobre o assunto polêmico. Segue abaixo o pensamento de Gallo sobre o assunto. Você pode conferir a publicação original no site: http://colunistas.ig.com.br/ricardogallo/2011/09/17/protecionismo-voltou-ipi-dos-carros-importados/
Foi anunciado esta semana um aumento de 30 pontos no IPI de automóveis que não tenham 65% de componentes nacionais em sua fabricação. O objetivo desta medida é proteger as indústrias multinacionais aqui instaladas e seus operários da competição internacional, em particular das empresas asiáticas, uma vez que importações do México e do MERCOSUL ficaram fora desta parada. Além disto, o objetivo do governo seria estimular àquelas empresas que hoje exportam carros ao Brasil a se tornarem produtoras locais, instalando fábricas no Brasil que produzam carros com mais der 65% de seus componentes produzidos aqui. Tudo isto é muito louvável e faz sentido político. É UM DISCURSO que todos compram.
Contudo eu fiquei pensando: quem perde com isto, além dos Asiáticos que exportam para o Brasil?
A. em primeiro lugar os consumidores que compram carros importados, pois eles devem subir uns 25% após tal medida;
B. as revendedoras de carros importados devem sofrer bastante. E seus funcionários correm risco de perder emprego
C. as empresas que usam caminhões importados da Ásia
Até aí se trata de uma decisão de escolha política: o governo preferiu proteger os funcionários das montadoras aqui instaladas (aproximadamente 150 mil pessoas) e os donos das mesmas no exterior, em detrimento dos funcionários das revendedoras de importados, de seus donos e dos milhares de compradores de veículos importados no Brasil.
Em 2010 foram licenciados 3515 mil veículos no Brasil sendo 660 mil destes veículos importados, ou seja, 19%. De janeiro a agosto deste ano foram licenciados 2370 mil veículos, sendo 530 mil importados, 22%. Do total de veículos importados em 2010, apenas 30% vieram de países fora do MERCOSUL e México. Ou seja, cerca de 6% da venda de veículos pode ser afetada por esta medida. Tomemos, por exemplo, os automóveis e veículos comerciais leves: foram licenciados 2,6 milhões em 2010. Este ano tal número deve bater uns 2,8 milhões. Ou seja, cerca de 140 mil vendas anuais terão seus preços aumentados, se os importadores repassarem o IPI ao preço de venda dos automóveis. Mais de cem mil consumidores terão de pagar mais caro por seus carros todo ano ou terão que se contentar com um outro produto que não desejam, de outra montadora local, que provavelmente deve ser mais caro.
Não estou aqui para defender os importadores de carro, porém para entender os impactos de medidas protecionistas como esta.
Vamos tentar entender a lógica desta decisão e suas implicações através de um processo de perguntas e respostas:
A. Não é bom proteger os trabalhadores da indústria local?
R: Sim, sem dúvida. Porém e se mesmo com este aumento de preço o consumidor de fato queira ainda comprar um produto importado pois não há similar nacional de mesma qualidade? Não vejo aqui no Brasil ninguém que produza carros com a mesma qualidade de alguns modelos de BMW, Mercedes, etc. E quem vai proteger as pessoas que trabalham na comercialização dos veículos importados?
B. Mas isto não poderá fazer com que novas montadoras se instalem no Brasil?
R: Talvez. Acredito que as montadoras já instaladas aqui irão parar de importar modelos que produzem em outros locais fora do MERCOSUL. Porém é improvável que novas montadoras se instalem aqui, pois é preciso um volume mínimo de vendas aqui para justificar tal investimento. Além disto, é muito difícil para tais montadoras montarem um carro aqui que já comece com 65% dos componentes feitos aqui, pois seus fornecedores globais também precisariam vir montar fábricas de componentes aqui, o que pode ser inviável por questões de escala e custo, o que encareceria demais o produto final produzido aqui. Há enormes vantagens de custo em se usar fornecedores de peças que sejam globais e fazer apenas a montagem dos carros localmente. Os fornecedores conseguem assim ter uma escala elevada de produção em suas plantas, e se protegem contra as variações de demanda locais.
C. Uma parte importante destes carros importados são de luxo. Não faz sentido do ponto de vista social tributá-los?
R: Se o governo defende um processo distributivo de renda através de impostos, como é feito nas economias socialistas, tal medida faz sentido. Porém não vi nenhuma manifestação do governo neste sentido em seu programa de governo. Mas se este for de fato o objetivo do governo há outros métodos mais eficazes de se atingir tal meta, como o imposto sobre grandes fortunas, que protegeria os mais pobres. Neste caso do IPI, rico e pobre vão ter seu imposto aumentado.
D. Ao restringir importações, o governo não estaria protegendo nossas reservas de divisas?
R: Sim, porém o BC tem acumulado um volume de reservas acima do que deseja e pagando custos enormes para mantê-las. Com importações menores vai sobrar mais dólar, o que ajudará a derrubar ainda mais o preço da moeda, o que prejudicaria inúmeros exportadores, como a própria indústria automobilística que deve exportar este ano uns 800 mil veículos.
E. Mas aumentar impostos não ajuda a reduzir o consumo, o que seria bom para combate á inflação?
R: Sim! Porém este imposto vai afetar apenas o consumo de produtos importados. Pode haver de fato um efeito perverso, pois a demanda que está hoje sendo suprida através da oferta de veículos importados pode ser deslocada para produtos produzidos aqui, o que pode trazer mais pressões inflacionárias na indústria.
F. Mas e se os Chineses adotam práticas injustas de comércio? Não temos o direito de nos defender?
R: Justo! Porém há formas mais adequadas e eficazes de se combater neste front. Por que o Brasil não entra na OMC com uma representação contra a China e contra os outros países que possam estar adotando práticas injustas de comércio? Por que o Brasil não bate mais forte nos governantes Chineses nos organismos e nos encontros internacionais, da mesma forma que os EUA o fazem? O próprio Min. Guido falou hoje que irá atacar a China no OMC se China atacar Brasil. Por que o Guido já não atacou os Chineses antes? Tal medida do IPI é sem dúvida protecionista e vai acabar fazendo que inúmeros países na Europa e na Ásia entrem com representações contra o Brasil. Pode ser que com esta medida passemos de possíveis vítimas a réus confessos.
G. Mas e se não conseguimos de fato produzir carros mais baratos que os Chineses, como podemos ter uma indústria aqui sem impor restrições como esta?
R: De fato não dá! Porém se não conseguimos produzir ao mesmo custo dos Chineses, Alemães e Coreanos e se apurarmos que estes não adotam práticas comerciais ilegítimas, devemos parar e refletir sobre isto antes de sair atirando. Precisamos aumentar a produtividade aqui, reduzindo custo unitário de produção. Não tem jeito. Talvez a solução esteja na redução de nossa carga tributária que talvez seja elevada quando comparada a incidente sobre empresas na Alemanha, Coréia e China. Porém para reduzir a carga tributária seria preciso reduzir os gastos do governo, o que politicamente é algo bastante difícil de fazer.
H. Mas e se acontecer o mesmo problema em outros setores, como informática, tecnologia e telecomunicações, onde nossa indústria local não consiga competir com importações, o governo não deveria protegê-las?
R: Sem dúvida. Assumindo que esta política de proteção seja uma política de Estado e que não fora desenhada apenas para proteger alguns poucos industriais de um determinado setor, tal política deveria ser adotada em outros setores que estejam sujeitos a forte competição internacional. Se algum empresário sofre com a competição internacional, asiática de preferência, da mesma forma que os coitadinhos da indústria automobilística e de autopeças, eu recomendo que estes façam representações junto ás suas entidades representativas neste sentido. Todos merecem proteção comercial a luz desta nova política de governo. O precedente foi aberto!
I. Mas se todos reagirem assim, não teríamos uma elevação generalizada nos preços dos bens e produtos?
R: Sim, nos setores onde produtos importados são hoje mais competitivos, como no setor de bens duráveis, preços subiriam caso se adote tal política do IPI sobre importados. Infelizmente este é o efeito colateral do protecionismo. Ao impedir que importados cheguem aqui a preços competitivos o governo acaba aumentando o custo de vida das pessoas. A competição dos produtos importados impede que empresários locais aumentem seus preços de forma abusiva. O chato é que tal medida veio logo num momento em que a inflação de serviços e de alimentos está bombando e que precisamos de uma âncora para a elevação de preços locais.
J. Podemos sofrer retaliações destes países? Praticamos outras formas de subsídio ou proteção?
R: Podemos sim. O BNDE´s empresta dinheiro subsidiado a empresas. Governo capta recursos taxas de mercado e os empresta a taxas subsidiadas ao BNDES que os repassa a alguns exportadores. Esta prática pode ser considerada como subsídio a exportação.
K. E se todos os países adotarem medidas assim uns contra os outros, não podemos ter uma forte redução no comércio internacional que levaria a uma recessão global?
R: Sim. Isto aconteceu logo depois da crise de 29. E as conseqüências geopolíticas de uma guerra de protecionismo comercial transcendem as seqüelas econômicas: guerras de fato muitas vezes nascem nestas situações.
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